Existo no futuro do pretérito e me desfaço no presente

Que sol é este que repousa tão opaco neste céu cinza sobre mim? Não queima nem brilha, mas seca os olhos e não me deixa chorar. Espia-me como um juiz e julga minhas transgressões. Encaro-o de volta e deparo com meu próprio reflexo no espelho surrado.

Que cicatrizes estas tão feias nessa alma tão fosca? Não sangra nem dói, mas estilhaça em pedaços miúdos qualquer certeza de mim. Retalhos das vidas que poderia viver, acabo por costurar nenhuma. Fico com os farrapos, com o que poderia ser. Existo no futuro do pretérito e me desfaço no presente.

Que tortura tão hostil nesse âmago incandescente? Não bate nem grita, mas empalidece sua luz morosamente, em sopros pequenos, curtos, plácidos. Sussurros que professo no meu silêncio e faço-me calar o espírito eufórico. Que se cale, que se recolha, que se encolha. Pequeno, até caber em lugar nenhum.

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