Cento e doze quilômetros de palavras não ditas


Há cento e doze quilômetros de palavras não ditas entre você e eu, pedras e uma correnteza forte que corre entre os verbos acusatórios. O que por vezes sai dos meus lábios comprimidos é outro idioma, que você parece não entender. O que sai dos teus, eu recuso-me a escutar.

Palavrinhas que vão se alimentando de nós. Derramam-se no rio que nos separa e crescem até se tornarem palavrões, tão compridos que sou incapaz de atravessá-los para cair no gosto do teu abraço. Afogo-me no caminho e você também anda cansado de nadar.

No fim dessas águas despenca uma cachoeira, tão alta que dá vertigem só de imaginar a queda. E nós temos tanto medo de cair. Parece que tudo que tínhamos era a vista bonita, o sol refletindo nas águas cristalinas e a brisa do verão sem fim. Agora a nossa natureza selvagem se revolta, nos atirando chuvas torrenciais de ressentimentos que sequer sabíamos que estava ali, na nossa paisagem tão sagrada.

Constrói um barco comigo, em silêncio. Escreve duzentas cartas com essas palavras severas que não há de me dizer, e lance-as ao dilúvio. A tempestade cessa, me jogo ao teu peito ardente e peço mil desculpas pela bagunça. Então você me promete, amor, segurando meu rosto entre suas mãos, com um beijo em minha testa: “tudo está bem, sempre esteve e sempre vai estar, meu bem”.

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