Eu sei que devo ir e todas as minhas células querem ficar

Minha amiga gritou meu nome pela terceira vez, empurrando a inércia que caía sobre meus olhos, a boca semiaberta em transe. 

— Que? — Perguntei indisposta.

— Você não presta atenção! Ontem mesmo…

Meu corpo voltava a flutuar, neste momento que suas palavras iam se dissolvendo no som ambiente e, num delírio, o perfume de cardamomo inundou meu olfato. Não passava de uma memória distante, um fantasma com fragrâncias de ausência eterna e notas de tudo o que sou alérgica. Acho que é alergia, já que sempre que ele passa, deixa meu rosto inchado, olhos vermelhos e lágrimas inesgotáveis.

Derramo-me então nestes copos rachados, quebrados, cacos de saudade. A lua e o mar me levam a falar asneiras embriagadas de sentimento. Eu sei que devo ir e todas as minhas células querem ficar. A distância rasga minha carne, como se o âmago dentro mim se despedaçasse, preso em um corpo sem o seu toque. 

Mas como eu posso ficar, se só metade de você não me basta? Tudo dói e tudo rasga.

— Acorda! — Ela chamou.

Mas eu já tinha escorregado no que há de mais profundo do inconsciente. Um sono inquieto, doloroso e espasmódico. Nele, você nunca disse adeus.

0 comentários