O vento beija tuas bochechas com a amabilidade que eu gostaria que partisse dos meus lábios, esvoaça estes teus cachos vermelhos que ascendem na tua pele marrom, como eu mesma ansiaria assanhá-los.
— Você pensa demais, Helena. — Sua voz me arranca do devaneio, enquanto ela se reclina sobre a grama, apoiada nos cotovelos, os olhos fechados para escapar à brasa do sol que lhe acaricia a face. — Sempre que olho para você, está com essa expressão de quem carrega todas as respostas e perguntas do mundo. — Ela ri, abrindo uma palma sobre a testa para fitar-me sob a sombra com aqueles olhos de esmeraldas escuras, que guardam segredos de eras antigas.
— As maiores conversas acontecem na minha própria cabeça, Clarice. — Respondo, devolvendo-lhe o sorriso. — Enquanto você aproveita o sol, eu fico tentando entender o que já é bonito por si só.
Descanso o corpo do seu lado, o meu vestido azul escuro ondulando no ar como o teu verde florido, numa dança de cores. Com a ponta dos dedos, desenho um rio invisível sobre teu antebraço, sinuoso e gentil, até que desague em mim a tua torrente. Você se aproxima mais, quase vertendo nossos corpos a ocuparem o mesmo espaço e entrelaça os dedos nos meus, deitando a cabeça no meu ombro.
— Às vezes o que há para se viver fora do devaneio é mais interessante que a fantasia. — Murmura com doçura despretensiosa.
Guardo-lhe o silêncio. Clarice, uma ladra maviosa, sempre me rouba as palavras e faz de mim filósofa sem voz. Que posso dizer a um espírito que é tão seu que nem os olhos nem as palavras podem traduzir-lhe a essência?
Compartilho, nestas brisas de outono, a quietude da tua companhia. A tarde se alonga como um manto de cetim sobre nós, coberto de constelações, onde cada estrela é uma promessa de mais um dia morando nestes dedos entrelaçados, no roçar dos teus lábios em minha testa, no sussurro das tuas palavras doces ao meu ouvido.
E em cada crepúsculo, veria o reflexo de nossas memórias projetado sobre o horizonte — uma tapeçaria invisível, tecida por todas as palavras que jamais ousamos dizer.
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