Tormento de sensibilidade


Sou um mosaico intricado, formado pelos retalhos de todas as versões que já fui. Porque todas as vezes que amei, levaram um pedaço meu. Já não reconheço mais os limites do que é meu e do que foi esquecido aqui, nesta dança dolorosa de transplantes de feridas. Eco de chumbos trocados no campo de batalha, onde corações são envenenados e as memórias incineradas.

Nesta cama nostálgica desfaço meu corpo em hermética languidez, numa queda infinda no precipício de mim. Em noites de terrível disparate, peço piedade, ajoelho-me aos céus que arranque de mim este âmago amaldiçoado pela sensibilidade: por favor, preencha-me de indolência.

Os pássaros que habitavam minha garganta agora repousam em silêncio, seus cânticos interrompidos pelo manto da melancolia. Meu riso, outrora espontâneo e livre, transformou-se em um eco de histeria, desprovida da genuinidade que um dia o alimentou.

Sou navio de Teseu, cujas tábuas foram trocadas, mastro por mastro, ainda flutuando sob o peso dos fantasmas passados. Pergunto-me o que resta da essência do que fui um dia, senão apenas um nome de batismo.

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