Sua ausência ainda me assombra

Meu amigo falou que te viu na cidade vizinha e atravessou a rua para não ter que ver sua cara fleumática de pau, palavras dele. Uma tragédia como essa parece arquitetada pelos deuses do caos — e da calamidade. Há tanto você tinha desaparecido dos meus pesadelos, agora seu fantasma retorna como uma sombra invisível que escorre pelas paredes e se esconde em todas as quinas, em todas as encruzilhadas.

Sua ausência assombra meus dias, sua presença perturba meus sonhos.

A memória é maldição e formiga como câimbra na ponta dos dedos e no canto dos olhos. Sua aparição me cobre como pele, me consome como ácido. Tudo o que é bom fica pequeno, existe apenas o seu desdém que alaga a sala com um cheiro forte e azedo marrom.

Eu fui constelação e você fazia pedidos para minhas estrelas cadentes de olhos fechados. Galáxias inteiras habitavam dentro de mim. Entre o silêncio delirante e palavras magnéticas, você abriu um buraco negro no meu umbigo e tentou devorar o meu infinito.

Hoje, seu teatro tem cortinas de veludo italiano e aplausos intermináveis, sua máscara já faz parte da sua própria pele, costurada em linhas cínicas. Mas, embora os seus dias sejam quase sempre ensolarados, no crepúsculo da madrugada eu sei que você ainda abriga algo terrível.

[uma história de lobos e flores]

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