O delírio de amor que aprisionou minhas asas


Como as orbes dos meus olhos castanhos, eram mélicas as minhas asas. Quando te conheci, possuía o fulgor de voar que te fascinava, o entusiasmo típico da idade, primeiro ano da vida adulta. No teu rosto, os vincos despontando na pele clara revelavam a maturidade, o bigode enrolado acompanhado do cavanhaque emoldurava o sorriso afiado. Dos lábios ouvia-se apenas as atraentes palavras da sua exímia persuasão.

Seu tempo sempre estendia-se ao meu dispor, mesmo quando as ocupações te arrancavam de mim por alguns momentos do dia. Sua compreensão de mundo e a lucidez de alguém que sabia ouvir o que não era dito deslumbravam o juízo tonto da minha mocidade. A chave mestra das gaiolas da minha mente já girava nos seus dedos ossudos, antes mesmo de eu entregá-la a você.

O entusiasmo no meu caminhar te impelia a dançar comigo pelas ruas e você declarava meu riso ser o sopro de vida da tua cerne. Tão delirante estava no amor que acreditava receber que, ao te abraçar de olhos fechados, jamais percebi a lâmina amolada aparando as minhas asas. A epifania dessa descoberta veio somente anos mais tarde, quando ao pular de tão alto de mim mesma, espatifei-me no concreto.

O prazer que te saciava era desmantelar suas coisas favoritas ao meu respeito para que, depois de ti, já não houvesse mais nenhuma versão de mim. O quão frustrante deve ser, portanto, depois de todo esse tempo perceber que a fênix do meu ímpeto regenerou minhas plumas e nenhuma das suas celas são mais capazes de censurar os meus voos.

2 comentários

  1. Bela, tanto eu quanto o terço amador de poesia que habita este universo somos gratos pelas tuas palavras viscerais e precisas. teu amor pela escrita nada em cada linha, sente-se. que texto, minha parceirinha <3

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    1. Você é divina.
      Obrigada pelos ensejos mútuos de poesia e inspiração. Minha parceirinha <3

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