Às vezes você precisa
sentir o coração se dissolver, escorrer para fora do corpo e tornar-se um vácuo
asqueroso dentro peito. Você precisa sentir o vazio de estar distante de quem
costumava pensar que fosse. Você precisa se olhar por dentro e não enxergar nada
além de uma coleção infinita de dores que foram nascendo uma em cima da outra,
criando um amontoado gigantesco de danos irreversíveis. Você precisa deixar o
dia passar bem diante dos seus olhos e não ver beleza algumas naquelas frestas
douradas de sol que transpassam a janela da sala. Você precisa caminhar tão
apressadamente que não sentiu o perfume de alguém que estava sentado do seu
lado no transporte público, e o cheiro era tão bom. Você precisa perder a visão
que a alma tem de tudo o que o rodeia.
Das verdades universais
que eu cresci ouvindo passear de boca em boca, há uma que me pesou mais do que
qualquer outra. Depois de perder, você
encontrará o valor do que se foi. E então será tarde demais. O desamor pela
vida e suas simplicidades doces será o preço que você irá pagar até que volte a
respeitar cada detalhe que o mundo reserva. Existe algo na mitologia que se
chama Roda da Fortuna, há diversas
simbologias que a cercam, mas a melhor interpretação que se faz dela é o
processo de quedas e subidas que o homem tem durante o seu percurso de vida. Fortuna não é a quantia de zeros no seu
saldo bancário, Fortuna é qualquer
riqueza que lhe torne alguém feliz. Imagine que estamos dentro dessa Roda que é a própria vida, estamos no
topo e de repente o chão é a nossa estadia. Uma vez lá, você conhecerá o medo
na forma mais assustadora e compreenderá a solidão como um bicho papão reconfigurado
para assustar adultos.
Mas você conhece os tons
de luz que a felicidade o envolve, você recorda dela, porque a sentiu aos sete
anos de idade quando a vovó fez aquele bolo caseiro de banana e canela. Você se
lembra do que é sentir amor, ele estava lá quando o seu pai comprou a primeira
bicicleta que fez você ralar os joelhos. O carinho visitou o seu peito quando
aquela amiga disse que faltaria uma aula só para te ouvir falar o quanto doeu
se apaixonar novamente. Ninguém receberia a nostalgia melhor do que você,
quando ela vier com cheiro de chuva e chocolate quente debaixo das cobertas. Você
conhece cada tom de luz que vem do sol, sabe que pela manhã o brilho fere os
olhos e no final da tarde ele sai mansamente pelas frestas da cortina, mais
tênue e mais convidativo. Então você sente que conhece a paz, porque é essa a
cor que ela tem, ela tem cor de crepúsculo, quando você se sai na janela e se
despede de mais um dia.
Quero que você se lembre
de cada detalhe que fez o coração pulsar estonteante sempre que achar que está
confortável sendo um véu triste perdido no caos que há lá fora. Se você conhece
o caminho da felicidade, não devia estar gastando tanta energia acreditando que
nasceu para ser solitário e vazio. A vida é sobre quedas que rasgam e desafiam,
mas também é sobre seguir depois do tombo e enxergar um mundo de
possibilidades. Faça uma meta de vida, trace um objetivo, tire as roupas do
armário e lave-as, passe um dia pintando girassóis, ligue para um parente,
teste seus dotes culinários e tente aquela receita de torta, convide um amigo
para ir ao cinema, vá à praia, caminhe antes do sol nascer, diga as flores o
quanto elas cheiram bem, depois tente o mesmo elogio com um desconhecido no
metrô. Redescubra o que é pertencimento, apaixone-se novamente, por alguém novo
ou por quem já está ao seu lado, apenas ame. Reinvente conceitos para aquilo
que significa sentir, e sinta. Permita,
pertença.
Seu caminho pode ser
curto e pode ser longo, é você quem decide como vai traçá-lo. Estamos aqui para
dar o nosso melhor, temos a oportunidade de buscarmos a melhor versão de nós
mesmos. Depois do dia vem a noite, depois da luz vem a escuridão. O sol vai,
para dar lugar a lua, mas ele volta na manhã seguinte, porque precisamos dessa
radiação. O que você precisa fazer é enxergar o contraste dos dois extremos e
compreender que assim como o sol, você está indo e vindo, às vezes brilhando em
excesso, às vezes escondido entre uma nuvem ou outra, às vezes tímido e fraco,
às vezes nem vem, às vezes manda a chuva, mas está sempre ali. Só não se deixe
esquecer de como é brilhar ao ponto de ameaçar os olhos. E brilhe.
um momento
ResponderExcluirpreciso de uma pausa para respirar e deixar as metáforas ecoarem mais um pouco na minha mente antes de continuar
[...]
seus textos parecem que tem marca d'água. Sabe? quando é tão seu que não poderia ninguém mais ter escrito? são teus textos. eu não consigo ver ninguém mais fazendo metáforas sobre "tons de luz", crepúsculos e incentivando alguém a pintar girassóis. (tudo isso de forma tão convincente)
e muito bonita.
obrigada por escrever.
Digo, num geral, é um presente para o mundo.
e também obrigada por este texto em especial, acho que precisava de algo assim nesta noite.
mil beijos
que comentário lindo, Bec. abraçou o meu coraçãozinho em cheio! eu adoro o jeito que apreciamos a arte uma da outra, obrigada pelo carinho de sempre. <3
ExcluirNem sei onde começar a comentar. Tanta coisa linda e profunda. Senti que a alegria e a tristeza dançavam um tango compassado à medida que lia suas palavras. Arrasou, Kênnia!
ResponderExcluirBeijos!
www.vivendolaforanoseua.blogspot.com