Das coisas que me acontecem indo pra o interior


Estive no ônibus hoje, não o coletivo nosso de cada dia, mas um com ar condicionado e cadeira reclinável que a gente pega pra enfrentar uma viagem de oito horas. É tempo ocioso o bastante para: ler um livro, acompanhar uma treta, refletir sobre a vida e sofrer encostada na janela ao som de alguma música triste, como num videoclipe emo. 

Sobre a treta, sim aconteceu, algo sempre acontece nas minhas viagens. Como na vez que o ar condicionado quebrou e a gente teve que mudar para um ônibus melhor porque era o único disponível. Ou quando o trânsito estava tão engarrafado que de oito horas, a viagem durou quatorze. E teve a vez que nem foi tão estranha, mas que eu me senti abençoada divinamente porque tocou RBD na rádio do transporte. Hoje, no entanto, foi um bate-boca que durou pelo menos uma hora e nem o motorista conseguia acalmar os ânimos das partes envolvidas: ficamos lá parados, aguardando a situação se resolver para que a rota pudesse seguir.

Devo dizer que minha mãe comprou pipoca e foi quase cômico o fato de comermos enquanto assistíamos o desenrolar da trama.

Também li Martha Medeiros, cronista sensacional, inclusive. Não fossem suas palavras ainda correndo inspiradoras em minhas veias, esse texto certamente não sairia hoje. Ainda que minha mãe proteste sobre o quanto faz mal ler em movimento, que mais eu faria? Em algum momento da viagem já não dá mais para sobreviver apenas com os próprios pensamentos e reflexões, nossa própria companhia também cansa.

Falando em reflexões, é engraçado o que uma bela paisagem, acento confortável e uma boa música podem fazer com a gente. O tanto de pensamento que nos inunda quando pensar é nossa única alternativa. Porque, veja bem, você não pode simplesmente levantar e fazer suas tarefas domésticas ou correr na praça, são só você e aquele horizonte além da janela.

Por fim, se nunca fez isso, você precisa recostar-se na janela de um carro (a menos que você esteja dirigindo), colocar a música mais melancólica e emocionante da sua playlist e fingir estar num videoclipe, se estiver chovendo, é um bônus. 

Hoje estava sol, então eu só fingi ser uma dessas poetas que tomam café debaixo da ventana e leem seus livros favoritos pela sexta vez.

Esse texto faz parte da série de crônicas autobiografia autorizada.

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