Sou um mero fantasma do que já fui um dia


Eu tinha um nome, entretanto, este não me pertence mais — ou meramente não o reconheço. Meu eu desnorteou-se no emaranhado labirinto de escolhas (ruins) que sucedem meus dias. Ou noites, já que eu não durmo antes do amanhecer e não acordo antes que o sol se ponha. Ocupo, portanto, o papel de telespectador, visita da minha existência, turista do meu próprio corpo.  E não posso evitá-lo.

De olhos fechados, vivo a melhor versão da minha realidade, aquela que existe apenas em minha cabeça; durmo para que possa acordar no meu subconsciente. E quando abro os olhos aqui, nada parece concreto ou de verdade. É como estar aprisionado num excruciante piloto automático: desequilibrado, inconsequente, sem nenhum rosto ou cenário familiar pelas redondezas. Uma estranha na minha própria vida.

Não choro, porque emoções são somente uma lembrança distante de um tempo que ainda existiam borboletas no estômago e cartas escritas a mão. Mas gargalho, até a barriga doer, um riso desesperado que escapa do âmago consumido.

Abstenho-me da piedade alheia, basta a frustração que eu mesma carrego. Assim, trancafio-me na torre da minha angústia, exilada de qualquer contato além da carne. Ainda assim, se precisam de um pedaço meu, lhes dou, e não faz falta — pelo menos, é o que digo. Espedaço-me em fragmentos que desaparecem com o tempo e perco minha identidade. 

Se um dia encontrei-me, não recordo. 
Não era eu, nunca fui. Não sou. Existo — em discordância a Descartes —, não porque penso, mas porque sangro.

2 comentários

  1. Mulher, que tiro!
    "Não era eu, nunca fui. Não sou. Existo — em discordância a Descartes —, não porque penso, mas porque sangro."
    Sua escrita é tão poética e bonita, não canso de enaltecer, af.
    Gratidão por compartilhar a sua arte!

    Com carinho, Yasmin
    www.entremcc.blogspot.com

    ResponderExcluir